As serviçais


Acabei de ver este filme.

Semelhanças à parte com o livro mais marcante da minha infância, 'A cabana do Pai Tomás', de Harriet Beecher Stowe, que me fez chorar brutalmente até à - quase! - total exaustão dos meus canais lacrimais durante vários dias, fiquei curiosa acerca do livro.

Talvez o queira como prenda de Natal.

Tal como as críticas de 'paternalismo racial' do livro de Stowe, que retrata quase todos os afro-americanos como 'bonzinhos', também esta ficção de Kathryn Stockett, de 2009 - pensei, por acaso e erradamente, que fosse umas quantas décadas anterior...! - sofreu duras críticas, designadamente de Ida E. Jones, directora nacional da Association of Black Women Historians, ao dizer que, não obstante o livro e o filme serem uma tentativa de relatar uma história de progressivo triunfo sobre a injustiça racial, acabam por distorcer, ignorar e banalizar as vidas das trabalhadoras domésticas afro-americanas.

Honestamente, não me parece que assim seja.

Quem quiser absoluto rigor histórico acerca da segregação social nos Estados Unidos - e não só! -, tem à sua disposição muitos documentários e livros bastante elucidativos e ilustrativos dos contornos reais do problema.

Esses documentários só não tratam a questão da mesma forma que o filme - e espero que o livro! - o faz. E que, penso eu, terá sido o motivo de ser um sleeper-hit tanto em livro como em filme.

Não se trata de saber se há ou houve triunfo sobre a injustiça racial, mais ou menos progressivo.
A história da luta contra a segregação social nos EUA nos anos 60 e a situação do racismo no mundo moderno todos nós conhecemos, ainda que o score final se mantenha em aberto até aos dias de hoje.
A questão não é essa.

O aparente simplismo do filme dilui-se muito claramente nos sorrisos emocionados, nas gargalhadas sinceras - e não propriamente fáceis - e nas lágrimas nos olhos - caramba, ou o filme é bom ou sou eu que, com a idade, começo a ficar com o gene chorão-fácil da minha mãe! - que vão perpassando as quase duas horas e meia de filme. 

Encanto-me com toda a facilidade com o guarda-roupa dos anos 60, confesso, mas as personagens são a melhor parte do filme: desde a perfídia em forma de gente, na pessoa da mefistofélica Hilly Hillbrook, até às três personagens centrais - Aibeleen e Minny, que são a imagem acabada da ternura, uma ternura quase infantil na graça própria desta última, e Skeeter, a ingénua pós-licenciada de boas famílias que começa com uma 'coluna de manutenção doméstica' no jornal da terra e que acaba a ser a pena que semeia histórias atrás de histórias, até à aparentemente superficial figura do universo warholiano Celia, que demonstra ter um coração digno desse nome numa razão inversamente proporcional ao seu bom-gosto e necessidade de aceitação social, o filme possui um conjunto admirável de figuras femininas.

Se simplismo e banalidade são sinónimos de um filme apenas aparentemente fácil, cheio de subtilezas minimais, que nos enternece, sem nunca nos deixar perder de vista o panorama da segregação social e que, não obstante as gargalhadas, jamais nos liberta do peso das consequências do jugo racista, então os adjectivos estão bem aplicados.


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