Fogos florestais


Fará quinze anos em Setembro que deixei Figueiró dos Vinhos.
Foi a minha primeira colocação e lá fiquei quase dois anos. Trabalhei com três concelhos: Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra e Pedrógão Grande. Era uma comarca tramada, que de primeiro acesso só o nome merecia.

Nos quase dois anos que lá passei, vi, como em muitos dos outros sítios por onde passei na minha carreira, o pior das pessoas - afinal de contas, faz parte da função.
Mas, ao contrário do que acontece no meu trabalho e do que vi suceder nos anos seguintes, foi àquelas gentes dali que vi genuínos actos de bondade e de amor pelo próximo - adopções 'do coração' de crianças inadoptáveis (e a maior parte de vocês sabe que esta coisa da 'balela dos afectos' me dá náuseas!), irmãos que, com outros dois irmãos órfãos, deixaram a escola com 17 anos e foram trabalhar para que os outros, mais novos, pudessem estudar, e outras tantas situações de que já nem sei falar.
Vi naquelas gentes uma delicadeza e simpatia com os forasteiros, como eu o era, e um enorme altruísmo, simbolizado no deserto em que a vila se tornava quando a sirene dos bombeiros se ouvia - muitos largavam tudo para ir ajudar, e não foram poucas as vezes que a isso assisti.
Desta vez, foram eles a precisar mas, apesar de todos os esforços e a coragem de quem tanto lutou, a violência das chamas tudo engoliu.
Ontem, deitei-me a pensar na desgraça.
Acordar hoje para a dimensão da tragédia foi muito difícil. Pensei, com preocupação, em todas as pessoas que lá conheci e ainda conheço, algumas das quais com muito carinho e amizade, e, apesar de saber que, na maioria, estão bem, sinto uma tristeza e uma desolação que não têm medida.

Isto não devia ter acontecido. Em lugar nenhum. A ninguém.
Mas muito menos ali. Àquela gente.

Há quinze anos, no meu jantar de despedida, fiz aquela estrada onde há agora só carros e árvores carbonizados.
Há quinze anos, eu estaria ali, rodeada de chamas e de fumo, na vila de Figueiró ou no IC8.
Não estou. Tenho sorte. E tenho ainda mais sorte por poder ajudar.
Mas estou destroçada.
Como tão bem dizem os ingleses, 'my heart goes out' para aqueles que não tiveram tanta sorte.
E aos que, perdendo tanto, sobreviveram, uma palavra de coragem!

Aos bombeiros, de Figueiró, de Pedrógão e de todos os lugares de onde vieram, a minha gratidão sem medida e uma admiração ainda maior.

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