A MINHA AVÓ ERA UMA MULHER DO CAMPO. Passou a mocidade e a vida adulta a trabalhar no campo, na terra. Chamava-se Joaquina Pulguinhas. A minha avó escrevia cartas muito devagarinho. Com letra tremida, escrevia o nome dos netos nos embrulhos dos presentes. Em casa, viúva, reforma de trinta contos, sozinha, começou a ler livros. Não sei quanto tempo demorava a lê-los, mas sei que os lia com o esforço da atenção, palavra a palavra. Gaivotas em Terra , de David Mourão-Ferreira, foi o livro que a minha avó deixou a meio quando morreu. Na verdade, deixou-o a meio alguns meses antes, quando deixou de reconhecer as pessoas, quando começou a dizer frases sem sentido. Assinalado por um marcador, esse livro permaneceu durante meses sem que ninguém lhe mexesse, ao lado da sua cama. Foi aí que o voltámos a encontrar quando entrámos nessa casa, onde ainda estavam todas as suas coisas, mas onde nunca mais estaria a sua presença. Imagino agora as palavras desses contos a entrarem na minha avó