Antibiografia


E agora, tantos anos depois, contar histórias é um hábito crónico; não sei fazer outra coisa. Mas, hoje em dia, a mitologia que me espicaça a curiosidade é a das alternativas imaginadas.

De certa forma, as escolhas e as contingências fazem com que estejamos onde estamos, que sejamos a pessoa que somos, e todo o processo parece tão incerto que, quando olhamos para trás, para esses momentos climácticos em que as coisas podiam ter sido totalmente diferentes, em que a vida poderia ter tomado um rumo diferente, ficamos a pensar neste desfecho aparentemente arbitrário.

Os romancistas têm um controlo absoluto sobre o seu material - o que escrevem, o que deixam de escrever, a forma como as pessoas devem comportar-se, o que tem de acontecer. Esse, claro, é também o problema ao escrever ficção, e explica muita coisa, desde o bloqueio do escritor (que significa muito simplesmente que não sabemos como continuar) até às deficiências individuais.

Mas o escritor consegue impor a ordem ao caos, impor um padrão. A vida real é incontrolável; ao que parece, somos uma palha levada pela corrente, agarrada a uma rocha, precipitando-se violentamente pelos rápidos, por pouco sugada para um remoinho.

Este livro é ficção. Quando muito, uma antibiografia. A minha vida serve de ponto de partida; alojei-me nas rochas, nos rápidos, nos remoinhos, e escrevi as histórias alternativas.

É uma espécie de confabulação. Esta palavra tem um significado preciso: na terminologia psiquiátrica, refere-se à criação de experiências imaginárias que substituem falhas resultantes de disfunções da memória.

A minha memória ainda está intacta; este exercício de confabulação é um pedaço de indisciplina ficcional.


Esta é parte do prefácio.
Deste livro de contos.

Sendo que a ideia é cada um desses contos começar com um trecho de um episódio da vida - verdadeiramente vivida! - pela narradora, continuar e desenvolver-se pela história alternativa - que podia ter sido vivida! - e encerrar com o trecho final da história concreta e real daquela narradora.

A ideia é muito interessante.
Os contos também. Bem escritos.

Gostei muito mesmo.
Obrigada, Lurdes, pela prenda de Natal!

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